domingo, 24 de março de 2013

Respondendo às perguntas da Reporter do Jornal O DIA

Abaixo a íntegra da entrevista, concedida por mail, para o Jornal o Dia.
Quem foi o idealizador e como surgiu o projeto?
Cine Fantasma é parte da pesquisa acadêmica "Cartografias espaço-temporais: Cinema Vivo" que estou realizando no Doutorado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Num primeiro momento o projeto surge ligado às memórias da minha infância e adolescência, e também à minha formação como cinéfila e cineasta. Ao perceber a forma como o Cine Fantasma afeta uma multitude de gentes, de classes sociais, gerações e origens distintas, pude entender que não era um projeto individual, mas coletivo, que toca em questões de memória, história, patrimônio material e imaterial, distribuição cinematográfica, ocupação do espaço público, arquitetura dos bairros, resistência cultural, entre outras tantas dimensões. 
Como podemos saber onde e quando será o próximo evento?
O próximo evento será em Fortaleza dia 05/04. 
Quando começou?
Escrevi o projeto em uma residência artística na NUVEM, em Visconde de Mauá, no verão de 2012. Em dezembro de 2012 ele começou a ser realizado, através de uma parceria com a Mostra do Filme Livre e a WSET Produções. Em janeiro de 2103 ganhamos um edital para intervenções urbanas, o Coletividea, e o trabalho ganhou corpo.
Quantas pessoas são necessárias para realizar as projeções? Como é feita a logística?
Para o formato do cortejo em movimento: um motorista no carro, um operador para o projetor, um editor no computador com software de VJ,  um camera registrando o cortejo, um reporter com microfone, um mapeamento de fachadas de cinema que não estão mais em atividade, pessoas na rua, gerador de energia.
O que exatamente vocês procuram mostrar nos vídeos?  De quem partem as ideias do que passa na projeção?
Nos videos procuramos criar, através de técnicas de remix, imagens que "reavivem" a memória coletiva associada a um dado espaço. Lançamos enquetes no FB: que filmes você viu aqui? Que histórias viveu nesse cinema? Procuramos fotografias  - fachada e interior - cartazes e titulos de filmes exibidos ali, fazemos animações que recriem luzes em neon de letreiros que um dia iluminaram aquela fachada.
O que vocês perguntam ao abordar as pessoas? Como elas costumam responder? Alguma chamou a atenção?
É tocante perceber como o imaginário da cidade passa pelas salas de cinema no século XX; como o hábito de frequentar cinemas de bairro formou boa parte da identidade urbana de alguns locais. Compartilhar memórias, compartilhar imaginários, compartilhar estar na rua, mergulhar na construção de um inconsciente coletivo atravessado pelo cinema é o que orienta nossas abordagens. Doméstica que nunca foi ao cinema, dono de sorveteria cinéfilo, administrador de empresa recém-chegado ao Rio e que já descobriu o cine Roxy... são muitos que com suas lembranças e sonhos, deixam suas impressões no Cine Fantasma.
Quantas pessoas estão diretamente envolvidas com o projeto?
O edital Coletividea permitiu que contratássemos uma equipe para realizar as ações no Rio. Montamos uma equipe com 10 pessoas. Em Fortaleza seremos também 10 pessoas, com o apoio da Universidade Federal do Ceará. Mas tem uma parte que é muito dificil de medir que é a da participacao on line. Temos 2 mil seguidores na página facebook.com/cinefantasma, alguns contribuem muito e tornaram-se parceiros importantissimos. 
E indiretamente? Alguma ideia? (entre seguidores nas redes sociais, parceiros, etc)
Acho que já respondi ... Sem falar nos fantasmas, espíritos e almas de toda sorte que nos assombram, inspiram, iluminam...
Você sabe de alguém que tenha  tomado a mesma iniciativa após entrar em contato com vocês?
Eu costumo dizer, quando me falam "Poxa, mas vocês não vão assombrar tal cinema?" Eu respondo : "Quer fazer? Vai lá!" Qualquer um pode fazer, escrevi isso no nosso blog cinefantasma.net. O cinema acabou? Não existe mais, foi demolido, virou loja de departamentos, estacionamento, igreja? Alguém lembra como era? Tem fotografia? Tem video? Tem memória? Tem história? Tem projetor? Liga tudo na energia e projeta! O Cine Excelsior de Juiz de Fora, que está sendo barbaramente transformado em um estacionamento, inspirou um video relâmpago que fiz uma noite, misturando imagens de filmes exibidos ali e fotos da demolição. Sugeri que fizessem projeções fantasmagóricas, não sei se eles têm planos para isso. Em Niterói também, com várias salas desativadas e a publicação recente do livro do Rafael de Luna, tem contexto para um movimento de assombração aparecer. 
Para você, o que as pessoas mais perdem com a diminuição dos cinemas de rua?
A possibilidade de um lazer que não é associado a shopping, carro, estacionamento. 
O que as pessoas buscam quando vão ao cinema atualmente?
Boa pergunta! É o que realizadores e produtores não se cansam de se indagar. 
Você acha que a visão do que é cinema e o que esperar de um filme mudou com o avanço da tecnologia?
Com toda certeza. Mas é importante lembrar que o que seja o cinema é uma pergunta que atravessa toda a sua história, não é um privilégio de nossos tempos digitais. Desde sua invenção no final do séxulo XIX o cinema surge como um meio em disputa, entre mágicos, charlatães, homens de ciências e artes. Há um modelo de cinema hegemônico, que se estabelece com a linguagem clássica que vai determinar boa parte da produção industrial de filmes ao longo do século XX. Mas há muitas outras formas de cinema, fantasmagorias, instalações, projeções e experimentos que se desenvolveram na paralela, e que hoje, com a facilidade de acesso e o barateamento da tecnologia estão explodindo por aí. O Cine Fantasma é um deles. Um pós cinema, ou, já que estamos falando de fantasmas, um cinema do além. 
Se as pessoas tivessem mais acesso a filmes clássicos, debates, livros e referências elas se interessariam mais? Continuariam consumindo o mesmo tipo de conteúdo, na sua opinião? 
Não acho que tenhamos exatamente um problema de acesso hoje, se considerarmos a disponibilidade de milhares de títulos na internet . Gosto de pensar que perdemos assentos, nas salas, mas ganhamos acessos, nas redes. Acho que sim, promover debate, reflexão e obras de referência é muito importante, e situo meu trabalho, como artista, pesquisadora e professora justamente aí. 

Você indicaria mais alguém com quem possamos conversar? Talvez alguém que tenha iniciado a mesma ou outra atitude a ver a iniciativa de vocês. 
Sim, procurem o pessoal do Cine Excelsior de Juiz de Fora e a galera do Cine Já de Niterói.
Mais uma vez, obrigada pela ajuda
Eu é que agradeço. 

Mais algumas perguntinhas:

Essas intervenções começarão agora com a Mostra do Filme Livre?
Sim. 
Se não, quantas projeções foram feitas até hoje?
Já foram feitos 3 cortejos de assombração, duas vezes em Copacabana, cobrindo 8 extintos cinemas e 1 vez na Cinelândia, percorrendo 11.
Quantas ainda pretendem fazer durante este mês?
Mais uma noite na Cinelândia. 
Que horas normalmente acontecem as projeções? 
Entre 21h e meia noite. 
Por que vocês guardam segredo a respeito de onde serão as intervenções?
Fantasmas não avisam onde vão aparecer, fantasmas assombram simplesmente. E nossa intenção é movimentar o entorno de um espaço que perdeu cinema, conversar com as pessoas que transitam por ali, moram, frequentam, passam. Se fizermos uma auê muito grande e levarmos um "público" nosso estaremos traindo essa motivacão inicial. Não é um produto para espectadores, mas a produção de uma experiência em um lugar.

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