quinta-feira, 28 de março de 2013

Cinema de rua, eu te amo!


A queda e a retomada dos cinemas de rua
27/03/2013


Os cinemas de rua, exatamente por  sua localização privilegiada, coração dos bairros e seus cotidianos, são parte muito significativa da construção da identidade cultural de uma cidade e seu povo, sobretudo no Rio. Como bem disse Fernanda Torres ao #RioEuTeAmo, a sala de visitas do carioca é a rua: adoramos programas ao ar livre, aplaudimos o pôr do sol, caminhamos pelas esquinas do bairro que vivemos e amamos. Adoramos pé sujos com mesinhas na calçada. Adoramos ver gente.


Infelizmente, com o passar dos anos, os cariocas têm visto e vivido uma triste realidade: a crescente extinção dos nossos queridos cinemas de bairro. Podia-se ir a pé, sentar em poltronas vermelhas e comer pipoca do pipoqueiro da calçada. Esses cinemas, décadas atrás presentes em imponentes contruções e com salas que ultrapassavam mais de mil lugares, têm dado lugar a estabelecimentos que se desligam totalmente do seu passado cultural, como farmácias, estacionamentos, bingos, lojas e restaurantes. O Cine Copacabana, por exemplo, hoje em dia é uma academia de ginástica. O Cine Campo Grande virou um restaurante popular. O Cine Palácio, cuja arquitetura já se imagina pelo nome, encontra-se fechado sob especulação de virar um centro de convenções, o mesmo destino, aliás, do Cine Veneza, em Botafogo. Sem falar dos outros vários que estão às moscas, desativados e abandonados, em muitos cantos da cidade. A própria Cinelândia, área do centro da cidade que recebeu esse nome justamente pelo grande número de cinemas que reunia, hoje sobrevive apenas com o Odeon, e outras duas salas que exibem programação pornográfica.


E mergulhando nesse ideal nostálgico e saudosista, que povoa a lembrança de muitos cariocas, acontece o projeto Cine Fantasma, sob as rédeas de entusiastas e estudiosos da sétima arte. Resignificando o espaço público e resgatando sua paixão por esses lugares, a trupe organiza andanças em seu carango – carro equipado com um projetor abastecido de imagens igualmente nostálgicas –  “assombrando” a cidade com projeções em fachadas de prédios onde originalmente funcionavam cinemas. Paola Barreto, idealizadora do projeto, falou com o #RioEuTeAmo e foi categórica ao destacar a importância desses espaços, principalmente para a vida de uma cidade tão aquecida culturalmente como o Rio de Janeiro. “Entendemos que hoje são novas arquiteturas, novas formas de compartilhamento de imagens. Os cinemas não ocupam mais o posto único de templos onde se pode entrar em contato com o universo dos filmes. Em um primeiro momento a televisão, depois o video cassete e o DVD, e atualmente a internet, multiplicam as possibilidades de acesso aos filmes, mas no cinema é diferente. Há uma dimensão a mais”, explica Paola. Em um acalorado debate sobre o tema, que aconteceu no CCBB há algumas semanas atrás, Olga Pereira Costa, uma economista por formação e roteirista por paixão, decretou que as poltronas vermelhas dos cinemas de rua a transportavam a algo que remetia o útero materno, ao seu aconchego e plenitude. E sobre essa atmosfera superior, Paola nos confirma, categórica: “os cinemas se configuram como espaços de sonho, além de serem espaços de construção do inconsciente coletivo”.


“O fato é que a expansão de interesses econômicos muitas vezes atropelam memória, afetividade e patrimônio histórico”, reflete a cineasta. Segundo ela, o Metro Boavista, na Rua do Passeio, que já foi a melhor sala da cidade, com uma tela panorâmica e sistema de som impecável para a época, está as traças, por exemplo. E a enumeração não para por aí: incontáveis bairros ficaram órfãos desses maravilhosos espaços. Decepção pura. Mas fiquemos calmos, pois nem tudo está perdido: ano passado foram anunciadas reformas em muitos cinemas da cidade, como o Cine Alfa, em Madureira, o Cine Guaraci, em Rocha Miranda, o Cine Paissandu, no Flamengo, e o Cine Olaria. Na mesma lista também está Cine Bruni, no Méier, para fazer companhia ao brilhante Imperator, que deu sorte e além de ser revitalizado como cinema, ganhou um centro cultural, com teatro, sala de exposições e um lindo terraço. Agora só nos resta saber se os projetos vão sair do papel, ou se quando o assunto é cinema, eles só vão ficar na ficção. É torcer e esperar.

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