sábado, 23 de fevereiro de 2013

Prestidigitação


"With the house lights on, the ceiling suggested a cloudy blue sky; when the lights dimmed, twinkling stars appeared. In place of boxes, six side windows were softly lit from behind to suggest twilight outside." - John Vacha, Showtime In Cleveland


O cinema sempre foi gestor da ilusão. Não seu único gestor, mas um muitíssimo aplicado. Desde os irmãos Lumiére, o cinema se debruça sobre a mágica, sobre o espanto, sobre o encantamento. Existe enquanto espaço físico, onde se dá a projeção, na ambientação que pode ser proporcionada, e também existe enquanto estado imaterial, como um torpor de teor filosófico, um momento paralelo, destacado pela realidade.
As salas de cinema, historicamente, eram entendidas como palácios, templos de adoração à imagem em movimento, e nunca a princípios religiosos que hoje assolam edificações que tiveram a felicidade de um dia abrigar a sétima arte.
Desde a entrada você era convidado a mergulhar numa outra qualidade do espaço- tempo, que te afastasse da sua vida ordinária e pudesse te fazer vislumbrar histórias extraordinárias. Os salões de espera sempre muito bem decorados, charmosos, propícios ao dar-se a ver, emoldurados por cartazes coloridos e pomposos, e adoçados por uma farta bomboniére.
Depois, você era convidado ao universo interior da sala propriamente dita, sempre muito escura, para favorecer a projeção tanto quanto o nascimento dos sonhos. Imerso nesse ambiente que sub-repticiamente te conduz a outro estado de consciência, é impossível não sonhar. Em algumas salas – diria o mestre João Luiz Vieira – a arquitetura do teto era em forma de abóboda, com estrelinhas pintadas. Sutilezas de um aplicado gestor da ilusão.
Com a migração dos cinemas para o interior dos shoppings, além de todas as coisas óbvias que podemos pensar que mudaram, há esse delicado momento em que o cinema concede à arquitetura do shopping a função de destacar-nos da realidade.
Angariando principalmente as funções da sala de espera, os corredores do shopping propiciam o ver e ser visto, a explosão de cores nas vitrines, as praças de alimentação que trazem delícias do mundo ao alcance da sua mão. É na extensão desses corredores que, mesmo sem adentar o cinema, você pode se perder no tempo, visitar uma realidade paralela, enquanto a vida corre lá fora sem que você se dê conta. Às salas de cinema, agora meros caixotes de cunho prático, guardam apenas a ilusão da projeção propriamente dita, que a grosso modo, pode acontecer no Café Paris ou em qualquer lugar, sem que a arquitetura e a ambientação sejam uma influência particular. E é assim, de pouco em pouco, que a magia das salas de cinema esvanecem.
Urano, o espaço, é pai de Cronos, o tempo. Ambos são famigerados que comem os próprios filhos.


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